quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Corações Partidos - Parte II


Como falei no post anterior, os três elementos (Mente Consciente, Mente Inconsciente e Fisiologia) não são mais do que três aspectos distintos do mesmo ser humano. Nós existimos e operamos simultaneamente nos três e nenhum pode existir sem os outros. O que é ainda mais importante é que nada na realidade pode ser experimentado apenas a um nível. Todas as experiências na vida são experimentadas aos três níveis e o mais crucial é que a experiência a um nível vai influenciar a mesma experiência nos outros níveis. Não é diferente quando se trata de experimentar um desgosto amoroso.


As emoções são processadas a todos os três níveis e afectam também como estes funcionam. As coisas que dizemos a nós próprios ao nível da mente consciente influencia o significado emocional que lhes damos e isso por sua vez vai afectar o nível de tensão no nosso corpo. Da mesma forma, as recordações de acontecimentos passados e a antecipação de acontecimentos futuros pode acontecer ao nível inconsciente dando lugar a respostas emocionais muito intensas. Finalmente, o estado da nossa fisiologia tende a influenciar o nosso estado de espírito e vice-versa. É por isso, por exemplo, que pessoas deprimidas tendem a caminhar lentamente, com os ombros curvados e estar sentadas ou deitadas por longos períodos de tempo.


De tudo isto resulta uma conclusão simples: Um desgosto amoroso vai afectar uma pessoa a nível do seu inconsciente, do consciente e da sua fisiologia.


Se todas as pessoas pensassem “para a próxima corre melhor” e encolhessem os ombros no fim de um relacionamento, não haveriam desgostos amorosos. Um desgosto amoroso acontece quando não se queria que a relação acabasse. E mesmo assim, nunca é tão simples. Alguns de nós têm parceiros tão complicados que é quase impossível viver com eles, mas quando a relação termina reparamos que é ainda mais difícil viver sem eles. Noutros casos, só reparamos quão profunda era a nossa ligação emocional quando a relação termina. Seja como for, mais cedo ou mais tarde temos de encarar a realidade assim como uma vida muito diferente da que projectamos. A nossa companhia foi-se e sentimos saudades. É um choque no sistema.


O choque emocional ao nível consciente, quando percebe que a relação terminou e o que isso significa, é tão forte que provoca uma reacção física. Ao nível fisiológico, o corpo não distingue entre uma ameaça emocional e uma ameaça física. Apenas se apercebe que existe uma ameaça ao bem-estar. O mecanismo de sobrevivência físico de que falei no post anterior entra em funcionamento, interrompendo a digestão, libertando adrenalina e carregando os músculos para combater a ameaça ou para fugir dela (fight or flight response). Mas não existe nenhuma ameaça para combater nem da qual fugir. E assim damos connosco com stress, tensão acumulada, pouco apetite, insónias, etc., tudo porque o corpo permanece num estado de alerta perante uma ameaça invisível.



O desgosto amoroso ao nível consciente


Uma das mais implacáveis causas de dor no final de uma relação é a constante circulação de pensamentos na mente. Mas como é que um pensamento pode causar dor? Todos sabemos que esses pensamentos são horríveis mas é complicado explicar porque são tão dolorosos. Quando damos uma martelada no dedo conseguimos descrever a dor como aguda e localizá-la no dedo. No caso de um desgosto amoroso, os pensamentos são dolorosos mas não conseguimos explicar a causa e muito menos apontar o local do corpo. Existe tensão na zona do estômago, mas não é bem isso. Existe tristeza quando pensamos que estamos sozinhos, mas também não é só isso. Porque é que é tão díficil de localizar e de ultrapassar e porque é que é tão desesperante?


A resposta reside na natureza da mente consciente. Como disse no post anterior, a mente consciente recebe as nossas percepções e atribui-lhes significado. O significado de algo é que determina a sua importância para nós. As coisas mais importantes (e com mais significado para nós) são as nossas histórias. O que aconteceu no passado e o que esperávamos que viesse a acontecer no futuro. A forma como a nossa mente faz sentido das nossas vidas é como relacionam as histórias, o passado, o presente e futuro. Quando sofremos um desgosto amoroso, todos os significados são anulados. O futuro é desfeito e o passado é questionado.


De certa forma, todo o desgosto amoroso é uma traição. É uma traição da promessa de amor. Uma promessa feita no passado para um compromisso de futuro. Para muitos de nós essa promessa ainda era secreta. Não tinha sido comunicada nem discutida mas na nossa mente já era verdadeira e estávamos à espera apenas que se concretizasse. Para outras pessoas, a promessa já tinha sido verbalizada. As causas pode sem muitas (alguém trai alguém, alguém engana alguém, nós subestimamos algumas pessoas e sobrestimamos outras, damos pessoas como um dado adquirido, perdemo-nos com outros focos de interesse, etc.) mas o resultado final é o mesmo. Quando não se concretiza, temos o desgosto amoroso.


E a dor dos nossos pensamentos, tão difícil de explicar e de localizar, vem exactamente da forma como a mente consciente os processa. Pensamos em todos os bons momentos que tivemos com a ex-parceira(o) e a seguir dizemos a nós próprios que nunca mais vamos ser assim felizes. Outras vezes revivemos os maus momentos, traições, discussões, etc. e perguntamos a nós próprios o que fizemos de errado. Pensamos na nossa ex-parceira(o) com outra pessoa e dizemos a nós próprios que por algum motivo não somos tão bons como essa pessoa. Também pensamos em como vai ser o “amanhã” e dizemos a nós próprios que vai ser infeliz porque aquela pessoa já não está presente. Para nós o futuro passa a ser desconhecido e o medo do desconhecido, do que não é familiar, é o medo mais forte do ser humano. Revivemos bons e maus momentos, projectamos imagens na nossa cabeça, e durante esse tempo todo estamos a comentar, a tirar conclusões deprimentes e essas conclusões repetidas são o que provoca dor. Assim, não é apenas um pensamento ou recordação que provoca dor, mas o significado que lhe damos, aquilo que dizemos a nós próprios a seguir.


O que é ainda mais estranho é porque é que as pessoas não param de fazer estes filmes, isto é, não alteram a sua forma de pensar? Existem vários motivos. O principal é porque a maioria das pessoas nem se apercebe que o está a fazer e mesmo quando se apercebe não compreende o quão importante estes pensamentos são para a sua dor. Outro motivo consiste no facto de não sermos capazes de “não pensar” em algo. Assim, quanto mais queremos não pensar na ex-parceira(o), mais difícil se torna.


Mas aquele que eu acho ser o aspecto mais grave, que impossibilita qualquer tipo de “luto” é que este comportamento, esta forma de pensar e de projectar, pode tornar-se um hábito inconsciente.


Quando repetimos uma determinada acção ou pensamento várias vezes, fortalecemos as sinapses no cérebro que lhe estão associadas e, como tal, esse pensamento ou comportamento torna-se gradualmente mais fácil de repetir até se tornar automático e acontecer regularmente sem qualquer intervenção consciente nossa. Porque isso é que para algumas pessoas basta ouvirem o nome da ex-parceira(o), visitarem um local ou comerem uma certa comida para dispararem a sinapses associadas a esses pensamentos e de um momento para o outro, sem quererem, se verem inundadas por pensamentos depressivos e pela dor do desgosto amoroso. Praticamos tanto em sentirmo-nos desgostosos que se torna automático. É uma das ironias da mente humana. Quando isso acontece, já nem sequer estamos realmente a sentir um desgosto amoroso. Estamos a repetir um comportamento programado por nós no nosso cérebro. É dor desnecessária e absolutamente inútil.


Agora que falei sobre como fazemos para nos sentirmos mal no final de uma relação (e volto a sublinhar que algum desconforto é sempre necessário ao processo de luto mas que 90% pode ser evitado e não tem qualquer utilidade) vou, no próximo post, partilhar algumas técnicas simples que ajudam no processo de recuperação de um desgosto amoroso.


Algumas destas técnicas são retiradas do campo da Programação Neurolinguística e outras ainda são pequenas técnicas que eu próprio e outras pessoas com quem trabalhei desenvolveram quando passaram por estas situações. Não digo que sejam uma panaceia para tudo nem para todas as pessoas mas acredito que podem ajudar a maioria das pessoas na maioria das situações.

1 comentário:

Marisa Gabriela disse...

Obrigada pelas suas palavras tão esclarecedoras, verdadeiras chamadas de atenção para ficarmos alerta e sairmos dos mundos cor de rosa que criamos.
Como diria Gandhi: «As razões por que algumas pessoas acham tão difícil ser-se feliz, são: lembrarem o passado pior do que foi, verem o presente mais negro do que realmente é, e imaginarem o futuro melhor do que será.»
Em suma, só se desilude, quem se ilude. :)