segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Corações Partidos

Um desgosto amoroso é uma condição muito estranha. A dor pode ser excruciante mas ao mesmo tempo não é possível encontrar nenhuma ferida no corpo. Apesar de detestarmos essa sensação, que parece despertar milhões de outras a cada momento, sentimo-nos compelidos a reviver incontáveis vezes as nossas recordações, ideias e fantasias, tudo o que nos deixa pior.


Mas o que se está a passar afinal?


Algumas relações terminam ao fim de anos de duração sem qualquer impacto emocional significativo. Simplesmente “vão morrendo”. Outras, algumas longas e outras apenas com poucos meses, deixam atrás um desgosto esmagador. Na verdade, poucos meses são suficientes para se fazerem planos e projectarem-se futuros em conjunto. Criamos futuros na nossa imaginação. Futuros em que o romance nunca morre, a vida social nunca perde a excitação e a cumplicidade está sempre a aumentar. Quando isso acontece, todas essas projecções e ideias criam ligações no cérebro, reforçam as sinapses e uma vez que o sistema nervoso não consegue distinguir a realidade de algo vividamente imaginado, a um certo nível essa realidade já está a acontecer. Subitamente, pelos mais diversos motivos, a relação termina e um enorme carimbo CANCELADO é colocado sobre todas nossas aspirações.


Damos connosco a pensar repetidamente em como fomos idiotas ao pensar que a relação iria durar mas ao mesmo tempo somos incapazes de parar de pensar em tudo o que aconteceu, em tudo o que poderia ter acontecido e em como nunca mais se vai repetir algo assim. Este ciclo de pensamentos intensifica a dor de um desgosto amoroso mas somos incapazes de o parar e parece que a certa altura a nossa própria mente começou a conspirar contra nós.


Quando uma relação termina, é despoletado um leque enorme de emoções. Sentimos dor e perda, mas também sentimos raiva. O nosso modo de pensar é alterado. Perdemos o equilíbrio emocional e os nossos sentimentos mudam de minuto para minuto. Por exemplo, num minuto desejamos ter tudo de volta e no seguinte explodimos de raiva ao pensar nessa possibilidade. Esta confusão e volatilidade são factores de contribuem para o sofrimento.


No longo prazo todos temos um mecanismo natural que nos permite lidar com estas situações e eliminar gradualmente a sensação de desgosto e de sofrimento. Se ele não existisse, o mundo inteiro estaria em permanente desgosto amoroso. As sensações de perda e de desilusão num desgosto amoroso (ou de qualquer outro, na verdade!) são inevitáveis na vida e o mecanismo natural é vulgarmente conhecido por “luto”.


Durante o “luto” o ciclo de sensações ambíguas repete-se uma vez após outra mas com o tempo essas repetições tornam-se cada vez mais espaçadas e o seu impacto emocional é gradualmente menor. O que se passa é que a mente só nos deixa experimentar a tristeza e a dor necessárias para mudarmos um pouco os nossos sentimentos, ideias e conclusões. Depois pára até que tenhamos realizado todos os ajustes necessários e nos tenhamos habituado às novas situações. Depois liberta mais um pouco e o processo de ajuste repete-se novamente. Eventualmente tudo passa com o tempo e sem repararmos, essa relação está no passado. Claro que quem já teve o coração partido sabe perfeitamente o quão inútil é ouvir isso de quem quer que seja, por mais bem-intencionado que seja. Não queremos que passe porque nem o nosso corpo nem a nossa mente estão preparados!


O problema com os desgostos amorosos (ou qualquer outro desgosto) é que o processo natural de luto nem sempre funciona bem e mesmo quando funciona bem pode demorar muito mais tempo do que aquele que é realmente necessário. Muitas vezes as pessoas ficam presas numa ou noutra fase e dão por elas a repetir os mesmos processos de dor e de sofrimento sem qualquer evolução ao longo de meses e anos. Todos conhecemos casos assim. É absolutamente necessária alguma dor e algum sofrimento para que o processo de recuperação aconteça porque se não existisse tristeza nem dor, não haveria qualquer necessidade de recuperar!


É possível evitar muito do sofrimento e da tristeza associadas a um desgosto amoroso quando compreendemos como estamos a gerar essas sensações na nossa mente e como elas se reflectem no nosso corpo.


Mas o que estamos a fazer, afinal?


Os seres humanos são, essencialmente, uma combinação de três elementos:


Mente Consciente

  • É a parte da nossa mente relacionada com a consciência e com a atribuição de significado a tudo o que experimentados. O nosso raciocínio lógico decorre na parte consciente da nossa mente. É também responsável pelo nosso diálogo interno.

Mente Inconsciente

  • É a parte da nossa mente que armazena todos os nossos comportamentos automáticos, desde conduzir um carro até comer ou dormir.
  • A maior parte dos nossos comportamentos é automática porque seria impossível considerar todas as alternativas e decisões a cada segundo do dia, na parte consciente da nossa mente. A simples tarefa de caminhar seria impossível se tivéssemos de considerar conscientemente quando levantar a perna, quanto a deslocar, onde e como colocar o pé, etc.!
  • Esses comportamentos são os conhecidos “hábitos” que desenvolvemos ao longo do tempo. Temos milhares de hábitos armazenados no inconsciente. Comer, apertar os atacadores, lavar os dentes, conduzir carros, usar computadores, escrever, ler, etc. Fazemos tudo isso em “piloto automático”. O “piloto automático” só é desligado quando algo invulgar acontece que obriga a que a mente consciente actue (por exemplo, quando a nossa rota habitual para o trabalho está cortada por obras na estrada e temos de considerar uma alternativa)
  • Um mecanismo básico para a criação destes hábitos é a "associação". A mente inconsciente lembra-se que fazemos sempre ou quase sempre duas coisas quaisquer em conjunto. Se continuarmos a fazer isso, logo que começarmos a fazer a primeira, passamos em “piloto automático” para a segunda sem pensar nisso. Quando o despertador toca de manhã, para muitas pessoas, o duche é o comportamento seguinte e nem pensam conscientemente nisso. A certa altura juntamos mais e mais hábitos num “grande hábito”, em que cada pequeno hábito anterior despoleta o seguinte. Por exemplo, todo o “ritual” de sair de casa de manhã pode ser considerado um grande hábito que decorre em “piloto automático”, desde que o despertador toca até sairmos de casa.
  • Estes hábitos libertam a mente consciente para questões mais importantes mas podem ser um obstáculo porque muita da tristeza associada aos desgostos amorosos decorre de hábitos que temos e que não reparamos nem questionamos.

Sistema Fisiológico do Corpo

  • A fisiologia, o corpo, não é apenas uma máquina que faz o que lhe mandam. Tem a sua própria inteligência: o sistema nervoso autonómico. Este sistema regula a respiração, o batimento cardíaco, a tensão arterial, etc.
  • Tem também um mecanismo de sobrevivência próprio que provoca reacções automáticas em situações de perigo, sem intervenção da mente consciente. Por isso é que quando ouvimos um estrondo perto de nós ou algo se atravessa à frente do carro, reagimos automaticamente para preservar a sobrevivência.
  • Toda a nossa actividade mental tem reflexos no corpo, aumentando ou libertando tensão a cada momento. O inverso também acontece. As nossas acções ou pensamentos, sempre que repetimos, fortalecem as sinapses associadas no cérebro, o que tornam essas mesmas acções e pensamentos cada vez mais fáceis de repetir.


Estes três elementos coexistem e interagem constantemente. É através da forma como usamos cada um destes elementos e como eles interagem entre si que geramos as sensações de perda e de tristeza associadas aos desgostos amorosos.


Como fazemos isso vai ser o tema do próximo post…

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